Osny

Suicídio no Ano Novo

Relato meu triste Ano Novo de 2011, ao reportar sobre um brasileiro que pulou do 14º andar do prédio dos suicidas; começar o ano assim, foi o sinal de alerta para um Japão trágico

Era 3 de janeiro de 2011. Estava dentro do shinkansen voltando para Hamamatsu, após festejar o Ano Novo em Tokyo, quando um amigo me telefona. Muito eufórico, ele me disse que um brasileiro havia se suicidado pulando do 14º andar de um prédio.


Expliquei que estava no Trem Bala, voltando para Hamamatsu e assim que chegasse teria de buscar a máquina fotográfica, enfim, meu material de trabalho.


Ninguém merece trabalhar no feriado do Ano Novo, mas o amor à profissão fala mais alto! Coitado do falecido, quais as razões para pular do alto de um prédio? Sua vida terminava enquanto um novo ano começava.
Segui para o prédio, mas o corpo já tinha sido removido, pude apenas ver o local onde espatifou, ainda com alguma sobra de sangue.

Fui conferir as caixas de correio para procurar algum morador brasileiro, mas eles não costumam escrever o nome nas caixas. Então fui para frente do prédio e alguns brasileiros começaram a aparecer. Foi com eles que colhi informações.

Morador do prédio mostra local onde o corpo caiu

O falecido chamava Artur Jorge Candia Nishida, tinha 30 anos e foi encontrado por volta das 5h30 da manhã do dia 3 de janeiro, na rampa de entrada do prédio que na época chamava San Cooporasu Hamamatsu (atual Village House Tower Hamamatsu).

Edifício na época chamava San Cooporasu Hamamatsu

Segundo o informe da Delegacia de Polícia da Região Higashi de Hamamatsu, o corpo apresentava fratura craniana, o pescoço quebrado e havia marcas de sapatos no 14º andar que coincidiam com os calçados pelo falecido, reforçando a possibilidade de suicídio.

O Edifício San Cooporasu, de 14 andares e 152 apartamentos, na época era mantido pelo Koyo Hoken (Seguro-Desemprego) e seus moradores precisavam estar inscritos nesse tipo de seguro para ter acesso à moradia.


Local de onde o brasileiro pulou para a morte

Porém, na comunidade brasileira, o edifício é mais conhecido por “prédio dos suicidas”, embora seus moradores não saibam informar porque ganhou essa má fama. Para evitar tragédias, o prédio construiu grades de proteção na altura do primeiro andar. De vez em quando, o que pode ser visto são sacos de lixo caídos nessa tela.

Grade de proteção não consegue impedir morte do brasileiro

Um brasileiro, residente no 11º andar do mesmo prédio, conta que foi acordado pela polícia na manhã do incidente. “Eles queriam nos interrogar, primeiro nos disseram que estavam investigando um caso de satsujin jiken (assassinato). Depois comentaram que seria sucídio. Nós não ouvimos nada porque estávamos dormindo. Fiquei assustado com o ocorrido e desci para o térreo. Havia mais de 10 carros de polícia. A ambulância já tinha levado o corpo, mas o local estava coberto com uma lona e dava para ver o sangue espalhado”, conta. “Não sei quais os problemas ele vinha passando, mas o momento atual de crise, de desemprego, de falta de dinheiro talvez possa ter influenciado”, afirma o brasileiro enquanto mostrava o local onde o corpo caiu, ainda com manchas de sangue.

O sinistro “Prédio dos Suicidas”

Outro brasileiro, residente no 9º andar, conhecia o falecido e contou que ele era amigado com uma filipina, mãe de uma filha. “Meu filho estuda na mesma escola da filha dessa filipina e de vez em quando eu via esse brasileiro. Nunca percebi nada de anormal nele, era calmo e nunca pensei que poderia cometer essa tragédia”, disse o morador. “Mas suicídio tem muito a ver com o momento pelo qual a pessoa passa”.

“Não sei porque esse edifício ganhou fama de ‘prédio dos suicidas’, mas fiquei sabendo de uma japonesa que tentou suicídio e caiu em cima da grade de proteção e se salvou. A grade precisou ser trocada porque ficou retorcida. Mas infelizmente esse brasileiro pulou do último andar e foi além da grade de proteção”.

ENCONTRO INESPERADO COM A FILIPINA

Levou mais de três anos para eu tomar conhecimento dos problemas que o suicida enfrentava. Em 20 agosto de 2014, uma amiga me chamou para ir no karaokê, então fomos! Após algumas músicas, sentado junto ao balcão, não pude deixar de ouvir o que a dona do karaokê estava conversando com outro cliente.


A filipina (dir.) na ocasião do encontro ao acaso

Era a filipina, a namorada daquele brasileiro suicida. Nossa! Que coincidência! Então, pedi licença, me apresentei e disse que eu tinha ido no prédio no dia do incidente, gostaria de ter conseguido um depoimento dela, mas não a encontrei naquela época.

Ela me deu mais uma cerveja, disse que era por conta da casa, sentou-se ao meu lado e contou que tinha ido passar o Ano Novo na casa de parentes em Chiba.

“Ele (o namorado) não quis ir para Chiba comigo, ficou sozinho em casa e soube do incidente somente quando voltei para Hamamatsu”.

Disse que ele sofria de diabetes, estava muito deprimido. Eles estavam bem, não brigavam e nunca imaginou que cometeria suicídio. “Mas muitas pessoas me culpam pelo ocorrido, por não ter levado ele comigo para as festas do fim do ano”, disse a filipina!

Desde então, ela se apegou mais ainda à religião católica, percebi ao ver os santinhos pendurados no pescoço dela e durante esses anos, não quis mais namorar ninguém.

UM PÉSSIMO ANO

Amigos mais próximos sabem o quanto sou supersticioso. Não posso ver um gato preto e já estraga meu dia. Sendo assim, começar aquele ano de 2011 com reportagem de suicídio foi um sinal de alerta.

Conversei com um amigo praticante da Igreja Messiânica e lhe disse sobre esse mau presságio. Combinamos então de viajar até Atami onde fica a sede da Igreja e para lá fomos alguns dias depois, para fazer uma forte oração! Também fui a um templo japonês fazer o conhecido Hatsumode, aquela primeira visita ao templo para solicitar um bom ano.

Mas os deuses parecem não ter ouvido nossas preces e aquele ano foi mesmo de tragédia, com o terremoto e tsunami na região norte do Japão, em 11 de março.

Terminou 2020, mas continua a pandemia mundial. Que 2021 seja um ano de extermínio do Covid 19, que a vacina traga mais benefícios do que preocupações de efeitos colaterais. Desta vez quero acreditar mais na medicina do que nos Deuses!


OSNY ARASHIRO – Jornalista, no Japão desde 1995, cobriu Copa do Mundo (França 1998, Japão/Coreia 2002) e 15 Mundiais de Clube. Metaleiro, roqueiro, pagodeiro e outros “eiros” …

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